Avante na estrada

Sigo firme trilhando o acostamento.
Quem me vê a cantar nem se dá conta
de que no mochilão levo lamento
e uma cruz; no meu peito, sofrimento.
É a dor quem conduz, quem me aponta
as estradas que devo percorrer,
as garrafas que tenho que beber.
Mas, carona, não pego uma qualquer.
Só vou se for um louco que vier,
pra ser salvo, pra dar e receber.

As plantas que margeiam o caminho,
algumas embelezam, outras ferem.
Ainda acompanhado, estou sozinho,
sem parente, amigo ou vizinho.
Eu não sei o que todos eles querem.
Continuo porque não tenho escolha
– é preciso plantar pra que se colha -,
mas, nas vilas e ruas por que passo,
não conheço ninguém, nenhum espaço
ou sentimento antigo que me acolha.

Vontade de voltar mais uma vez,
mas eu sei como é longo o regresso.
Nossa cidade toda se desfez,
só há a igrejinha em pé, talvez,
porque a fé é cega, nela ingresso
e peço que o passado feche a porta
pra dor que o coração não mais suporta.
Saio andando sem nem olhar pra trás,
pois, voltando, eu sei, não estarás.
Meu futuro contigo é o que importa.

Thiago Amazonas de Melo


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VÃO

Foste embora sem levar nada.
Mesmo assim, em casa, nada restou.
Falta porta para entrar.
Falta campainha, não há a quem chamar.
Falta sala para estar.
Falta TV, poltrona, rede. Falta sofá.
Falta internet, falta telefone, não há para quem ligar.

Faltam teus livros na estante,
faltam meus livros na estante.
Aliás, falta a própria estante.
Falta mesa, falta alimento,
falta teto, falta chão.

Até o vento, que cruza sem ser incomodado
o grande vão que se tornou a casa,
sopra sem ar, sem oxigenar.

Falta roupa para vestir.
Falta desejo para despir.
Falta corpo para ser.
Não há pele para afagar,
nem há órgãos para proteger.

Falta assunto para conversar.
Ainda que não faltasse, não haveria boca para falar;
tampouco, beijo para beijar.

Não há mais cama para deitar.
Mas de que serviria ela, se não há sono para dormir?,
se não há sexo para transar?, se não há amor para fazer?
Não há mais filho a se parir.

Não restou carinho para cuidar.
Esqueceram-se os planos para crescer.
Não há distância a se medir.
Não há proximidade para aquecer.

Não há tempo para contar.
Falta instante, falta estante.
Nada mais está.
Tudo era. Tudo foi.

Tudo se foi sem que tu tenhas levado nada.

Thiago Amazonas de Melo


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