Eu vs. Papel em branco

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Foto de Zaca Arruda

Tenho medo do papel em branco.
Por isso, sempre que posso, fujo do confronto.
Só enfrento a peleja quando não há mais aonde ir.

Eis-me aqui, acuado,
atacando para me defender,
sem perspectiva de vencer
o branco infinito.
Essa batalha é mesmo assim:
por mais que eu já tenha escrito,
sempre há algo mais a ser dito,
sufocando dentro de mim.

Thiago Amazonas de Melo


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Réveillon

Acordei sacudido pelo impulso do vômito. Só deu tempo de botar a cabeça para fora da cama. Totalmente alheio a mim, meu corpo todo se contraiu para expulsar um escasso líquido amargo.

Terminado esse jato amarelo-esverdeado, inspirei todo o ar que pude antes que outro viesse. Mais rápido do que eu esperava, meus músculos se apertaram novamente e meu sistema digestivo se contorceu, tentando espremer de mim até a última gota de suco biliar, mas já não havia mais nada. Quando meu corpo se deu por satisfeito, cuspi a pouca saliva que consegui reunir na boca e deitei a cabeça de volta na cama.

Só então comecei a tomar consciência de mim. Eu estava exausto, suado e todo dolorido. Uma enorme enxaqueca me castigava a cabeça. Poucos segundos após o expurgo, eu já estava bastante nauseado de novo, sem ter o que vomitar.

Abri apenas um olho e apertei o outro, como quem mira um alvo. A pouca claridade que entrava pelas brechas da cortina já era suficiente para me incomodar a vista, mas não para eu identificar o lugar onde eu despertei de maneira tão repentina quanto desagradável. Não dava para ver, mas eu tinha certeza de que não estava em casa. Então, onde é que eu estava? Como é que eu fui parar ali?

Nesse momento, a última lembrança da noite anterior me veio turva à cabeça: taças de champanhe reunidas ao alto, no centro de um círculo que eu, familiares e amigos formávamos. Nessa posição, fizemos uma contagem regressiva, ao final da qual todos brindamos e viramos nossa bebida.

Forcei um pouco mais a memória e algumas outras imagens me vieram à mente em flashes: em todas eu tinha um copo de uísque na mão.

Estava explicado o motivo do meu estado deplorável, mas ainda me preocupava não saber o lugar onde eu estava. Quis me levantar para descobrir. A simples menção a esse gesto, porém, prenunciou outro vômito seco. Então, fiquei parado, refém do meu corpo, em posição fetal, tentando lembrar algo mais.

Nada.

Depois de algum tempo imóvel na penumbra, senti o cheiro daquele lugar e o achei familiar: não sei se era o desinfetante de chão ou o amaciante dos lençóis. Criei coragem de me mexer para conferir a sujeira que tinha feito e botei a cabeça para fora da cama. Vi apenas a silhueta de um balde. Tateei o piso ao seu redor e não senti uma gota. Alguém havia posicionado aquele balde cuidadosamente ali.

Isso só podia ser coisa de Dona Aureny.

Sentei-me na cama e, mesmo no escuro, comecei a reconhecer o espaço ao meu redor. Realmente aquela casa não era a minha. Aquele quarto não era o meu.
Aquele era o quarto da pessoa que eu era quando vivia ali, há muito tempo, na casa dos meus pais.

Thiago Amazonas de Melo
Recife, 1º de janeiro de 2017


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